sexta-feira, 10 de abril de 2015

Pobres ficcionistas


Depois de vilãs inesquecíveis, que amávamos odiar, Maria de Fátima, Flora, Carminha, o que mais poderia chocar?
Nelson Motta, O Globo
É chocante: grupos de pesquisa qualitativa da TV Globo reclamaram muito da novela “Babilônia”. As donas de casa que representam o público-base das novelas não querem mais tantas maldades e crueldades, não querem ver garotas se prostituindo e sendo exploradas, e isso teria determinado mudanças drásticas nos rumos da novela. Conservadorismo, questões de dramaturgia ou, finalmente, a suprema aberração, uma novela sem vilões?
Não parece sintoma de conservadorismo. Em novelas recentes, a temática homossexual foi explorada por todos os ângulos e pontos de vista, desde o histórico beijo da “bicha maldita” Félix até os vários núcleos gays diferentes de “Império” (caricatos, dramáticos, enrustidos, assumidos e até machistas) até o nobre casal Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, todos são encarados com naturalidade, tolerância e até simpatia.
Claro, os vilões existem para serem abominados, e para dar oportunidade aos bons de ficarem ainda melhores e se vingarem, em nome do bem e da justiça, de todas as maldades e vilanias de que foram vítimas. Um clássico truque de novela, que o público já conhece mas mesmo assim adora, é quando a mocinha, depois de revoltantes agressões e humilhações, finalmente dá uma surra na vilã no capitulo 40 ou 50.
Mas depois de vilãs inesquecíveis, que amávamos odiar, Maria de Fátima, Flora, Carminha, o que mais poderia chocar? E as putinhas, que desde “Gabriela, cravo e canela” às modernas periguetes, amadoras ou profissionais, são amadas pelo público? Qual o problema agora? Estão com pena do destino da princesinha Sophie Charlotte na novela? Algumas heroínas já foram até escravas.
O que estará acontecendo no coração dessas donas de casa que representam o público das novelas? Será que de tanto ver vilões, canalhas e bandidos reais todos os dias nos jornais e na televisão o público se fartou deles? A ficção foi vencida pela realidade insuperável?
Será que os recentes shows públicos de mentiras, cinismo e sordidez estão nos levando a uma saturação de vilanias? Ou precisamos de doses ainda mais fortes? É dura a vida dos ficcionistas no Brasil.
Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg (Foto: Rogerio Resende / TV Globo)Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg (Foto: Rogerio Resende / TV Globo)
Nelson Motta é jornalista
Fonte: Blog NOBLATE.

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