domingo, 14 de junho de 2015

Prosa do Domingo




Na Coluna Plural, do Novo Jornal. (Só no impresso de papel)

por François Silvestre 



Naquele tempo…
Essa expressão foi usada por nossos ancestrais com um sotaque de sentido meio tristonho, comparativo e depreciador dos tempos presentes. Isto é, dos tempos presentes do nosso passado.
E nós ficávamos meio que invejosos “daquele tempo” lembrado, como se tivéssemos vergonha do nosso tempo. “Naquele tempo, esse menino, num era assim não”.
“Naquele tempo num se roubava a caixa das almas”. “Não se matava impunemente, nem se agradecia ao bandido ser apenas assaltado, perder os pertences, e ter a vida poupada”.
“Naquele tempo”…
Um tio meu, fazendeiro e político, que foi vereador de Martins, prefeito de Viçosa, prefeito interino e candidato a prefeito de Portalegre, conservador e anticomunista, passou a sentir simpatias pelos comunistas por conta da ditadura militar.
Ele dizia assim, ao comparar a Ditadura pós 64 com a Ditadura Vargas, dos anos Trinta. “Naquele tempo, a Ditadura era brutal, mas não era covarde. Expunha-se como ditadura, e só tinha um Ditador. Agora, a ditadura é muito mais brutal e covarde. Nega-se como ditadura revezando ditadores, como se a mudança de generais mudasse a essência da brutalidade”. Esse meu tio, que fora seminarista, era um matuto leitor de Camões, de Eça de Queiroz, de José de Alencar, de Antônio Tomás, de Machado de Assis, de Ariano Suassuna, seu primo, de Alexandre Herculano, além das leituras do tomismo, por influência do seu irmão, o Pe. Alexandrino Suassuna de Alencar.
Pois é. Até na comparação das ditaduras a expressão “naquele tempo” carregava uma vantagem na carruagem do passado.
E o tempo que fazemos hoje? O que dirão os jovens de agora quando o Outono chegar? Ao conversar com seus filhos e netos e deles ouvir a pergunta sobre o tempo de hoje.
Dirão, talvez: “Naquele tempo, tínhamos vergonha do presente”.
Fazendo a ressalva do poder exercido pela legitimidade das urnas. Da liberdade de expressão e democracia política. Sem censura à imprensa. E isso não é bom? É ótimo, mas a nobreza daquele tempo fica por aí. Dirão eles.
No meio da liberdade política, o poder do dinheiro e a ganância de poder sujaram a encarnada franja da bandeira democrática. Ao ponto dos fascistas saírem da penumbra para pedirem a volta dos coturnos.
Eleições “livres” na lei. Fraudadas na compra deslavada de votos. Parlamento maculado de dúvidas e suspeitas. Castas de privilegiados. Vitórias eleitorais sustentadas na esmola. Discurso revisto após cada eleição.
Promiscuidade na decantada competência privada ao custo da grana pública; donde se misturam vícios de licitações, numa legislação permissiva, num jogo de cartas cantadas, propinas, negociatas.
Até o futebol virou, pela gestão brasileira, o terceiro tempo da corrupção. Feio no campo, horroroso fora dele. Naquele tempo… dirão eles! Té mais.

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