Por François Silvestre
Na Coluna Plural do Novo Jornal.
(Para Francisco Nunes e Sueleide Suassuna)
“As armas e os barões assinalados/ Que da ocidental praia Lusitana/ Por mares nunca dantes navegados/ Passaram ainda além da Taprobana/ Em perigos e guerras esforçados/ mais do que prometia a força humana/ E entre gente remota edificaram/ Novo reino que tanto sublimaram”.
Foi assim que Camões começou duas aventuras épicas. A intencional: de responder a Homero que fincara nos versos a aventura dos gregos e a Virgílio, que cumprira papel semelhante na origem da aventura latina.
A segunda foi uma decorrência não intencional: a estruturação esquelética de um idioma. A “última flor do Lácio, inculta e bela”; do dizer de Bilac. Que responderia ao ser interpelado: “ora direis ouvir estrelas”.
Era o português uma algaravia, desde 1139, que se confundia com o galego, a linguagem da Galícia. Ganhou contorno morfológico com a obra teatral de Gil Vicente e o Cancioneiro de Garcia de Resende. Porém, foi a épica camoniana que teve o mérito de criar o arcabouço sintático da nossa língua.
Os Lusíadas, muito mais do que a louvação heroica das aventuras marítimas, é uma fábrica de metáforas. O forno que modelou uma forma de compor versos, na língua nova.
A metáfora consegue remodelar o conteúdo opaco para fazê-lo brilhante, na forma recriada. Não fosse ela, a poesia seria apenas uma repetida composição de rimas. Sonoridade vocálica, pobreza poética.
A rima, em Camões, é pobre. Combinando mais das vezes desinências verbais. A metáfora, não. E é delas que ele tira a tintura dos versos para engrandecer pequenos atos. Ao dar-lhes feição maior do que o gesto.
A aventura grandiosa da circunavegação Lusitana vai se desenrolando ao apelo das metonímias mitológicas. Com a cumplicidade de Vênus e Marte, sofrendo a oposição de Baco e Netuno.
A metáfora, diferentemente da comparação ou metonímia, produz poesia. Ela é a rainha das figuras na composição de estilo. Dando nós onde há linha lisa e alinhando a linha onde há nós. A Metáfora é a fada da poesia. Mesmo que seja poesia de pedra, rústica ou polida.
Dante, Shakespeare, Neruda viveram das metáforas. E deram vida à poesia nossa de cada dia. O resto não é resto, é metáfora do que resta da sobra.
Nunes e Sueleide sugerem tópicos. Quando se escondem os verbos nos porões da zeugma ou se omitem os nomes, nos escaninhos da elipse. Aí não se pode esquecer a política nossa de cada noite.
Só que a metáfora na política é a tentativa de esconder a verdade, muitas vezes feia, para vender a mentira falsamente bela. E o povo, metáfora da abstração, deixa-se enganar concretamente na mesma cumplicidade da metafórica democracia de faz de conta.
Com a permissão do cancioneiro moderno, ouso repetir: “Quero roçar minha língua na língua de Luís Vaz de camões”. Té mais.
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