domingo, 19 de julho de 2015

Defender Lula é defender a Democracia



O Conversa Afiada reproduz artigo de Saul Leblon, extraído da Carta Maior:

NENHUM SILÊNCIO É INOCENTE NESSA HORA



Um golpe não é feito para premiar os que tinham a análise política mais correta da história. Defender Lula hoje é defender a democracia.

por Saul Leblon

A insólita abertura de um inquérito contra Lula  por  suspeita de ‘usar sua influência no exterior para promover empresas brasileiras’ — leia-se, para promover encomendas, empregos, serviços e renda no Brasil–  coloca um Rubicão para o campo progressista brasileiro.

O silencio equivale ao suicídio.

Movimentos populares, lideranças sociais e partidos progressistas sabem a que vem e a quem serve a iniciativa cabulosa de um promotor que responde pelo nome de Valtan Timbó.

Timbó, a planta, atordoa o cardume e facilita a sua captura pelos indígenas.

O timbó político excretado pelos interesses associados a esse inquérito fará o mesmo com o cardume das forças progressistas.

Exceto se nadarem rápido para além das águas onde o entorpecimento e o sectarismo formam um sumidouro sem volta.

Quem critica –com razão, como tem criticado Carta Maior– a letargia do governo e do PT diante do passo de ganso da Liga dos Golpistas não deve alimentar ilusões.

A omissão diante de mais esse ensaio de golpe não consagrará espaço à ‘verdadeira esquerda’ na liderança progressista.

O que estamos vivendo é o oposto, um acelerado  assalto ao espaço político da resistência democrática.

Com todas as virtudes e defeitos listáveis, Lula é hoje uma espécie de esteio simbólico dos avanços acumulados na luta pela construção de uma verdadeira democracia social no país.

Decepá-lo a machadadas de descrédito e suspeição –como tem sido feito–  até arrancá-lo do chão das possibilidades eleitorais do futuro é o plano acalentado pela Liga Golpista desde 2005.

Uma década de diuturno labor nessa tarefa atinge agora seu momento de decisão.

Para os dois polos da disputa.

Se o conservadorismo tiver sucesso não será apenas o esteio que virá abaixo.

Com ele todo um entorno histórico será aplastado. Impiedosamente.  Como se fez após a derrubada de  Jango, no Brasil; de Allende, no Chile; de Torres, na Bolívia…

Essa é a dinâmica em curso.

Significa que as ambiguidades e hesitações petistas estão acima de críticas, avanços e confrontações?

Ao contrário.

Mais que nunca é necessário abordá-las no idioma da camaradagem crítica, em adequados ambientes de debate, entre os quais não se inclui a mídia conservadora.

A autocrítica e a superação dos erros cometidos é crucial para o campo progressista superar a encruzilhada de erros e hesitações angustiantes.

Mas cada crise tem uma contradição central.

Ignorar essa hierarquia ou ombreá-la em importância às demais costuma ser devastador, não importam as boas intenções avocadas no caminho.

Um golpe não é feito para premiar os que tinham a análise política mais correta da história.

Tampouco a dialética dura das transformações se assemelha à maciez da mecânica hidráulica.

O longo amanhecer de uma sociedade mais justa é um labirinto de contradições, uma geringonça que emperra e se arrasta, desperdiça energia, cospe parafusos e patina.

Para surgir um ‘Lula’ desse emaranhado tem que sacudir muito a geringonça imperfeita e remendada.

Greves, levantes, porradas, descaminhos etc.

Dói. Demora. Leva décadas — às vezes séculos.

Uma liderança como a de Lula, feita de muitos  ao seu redor  –’uma quadrilha’, diz o jogral do Brasil aos cacos – constitui um patrimônio inestimável na vida de uma nação.

Mesmo assim, é só o começo; fica longe do resolvido.

A cada avanço, não regredir já é um feito.

Não regredir hoje requer a convergência do campo progressista para enfrentar  uma coalizão que farejou o espaço aberto pela transição de ciclo econômico –erroneamente conduzida pelo governo do PT–  e vislumbrou o espaço para o golpe tantas vezes adiado.

Insista-se, diante do timbó que entorpece as águas da razão: o golpe não é contra Lula ou contra o PT.

O golpe é contra a respiração social e econômica de um povo.

O povo brasileiro.

Cinquenta, sessenta milhões passaram a sorver ares de consumo e cidadania após 11 anos de governos progressistas no país.

Formam uma espécie de pré-sal de possibilidades emancipadoras.

A exemplo das reservas de petróleo, estão agora na alça de mira do programa de asfixia da Liga dos Golpistas, diante do qual a equivocada condução do ajuste atual é um salgadinho de aperitivo.

Como evitar que essa riqueza venha a se perder no socavão do futuro sofregamente escavado pelos aécios, moros, cunhas, marinhos, frias, civitas, timbós e assemelhados ao longo dos últimos meses?

Como impedir o desfecho da espiral que agora atinge a dinâmica de um tornado político?

Não é fácil.

Mas, sobretudo, não se deve confundir a natureza dessa dificuldade.

Personifica-la em quadros petistas na desastrosa suposição de que a virulência conservadora contra eles abrirá espaços à emergência dos ‘consequentes’, repita-se, é o suicídio.

O silêncio dos inocentes é um maçarico nesse paiol.

Nunca é demais repetir: o Brasil vive o esgotamento de uma piracema histórica impulsionada pelos grandes levantes operários do ABC paulista, nos anos 70/80.

Na longa caminhada pela desconcentração do poder econômico e político chegou-se agora  a um pedral divisor.

Há duas opções: saltar e avançar em um novo estirão ou regredir com o risco de perder inclusive o que já se conquistou.

Ao final de uma piracema, a ‘rodada’ dos cardumes  exauridos  leva uma parte à morte; outra se deixa arrastar por correntezas incontroláveis; um pedaço sucumbe ou se entrega a predadores ferozes.

Lula é a presa cobiçada por sua liderança capaz de unificar  parte expressiva do cardume brasileiro para vencer o pedral.

Ele precisa querer dar o salto.

E os que se avocam a sua esquerda devem reconhecer que sendo ele arrebatado pelos predadores, o cardume enfrentará um redil regressivo de consequências devastadoras.

Está em jogo o passo seguinte de um longo ciclo de desenvolvimento da sociedade brasileira.

Quem irá conduzi-lo; que pacto de forças; quem terá a prerrogativa de responder as perguntas do desenvolvimento que o conservadorismo terceiriza aos mercados: desenvolvimento para quem; desenvolvimento como e desenvolvimento para quê?

A contradição principal –de novo, a principal– não é o ajuste incluído nesse percurso.

Ajustes terão que ser feitos e isso tem sido reiteradamente detalhado neste espaço.

O flanco anterior mais grave, porém, que ora condiciona o método, o rumo e as salvaguardas dessa travessia pode ser sintetizado num flanco matriz: o distanciamento orgânico entre ‘a presa cobiçada nesse momento’ e seu imenso entorno popular.

É esse distanciamento – que tem na ausência de uma mídia pluralista, um nó górdio–  que o ajuste em curso espelha, ao mesmo tempo em que age para aprofunda-lo.

E é ele também que explica o alvoroço dos timbós, a sofreguidão dos tucanos, dos operadores da riqueza financeira, dos colunistas isentos, de todos, enfim, que farejarem a chance do bote final, capaz de derrotar de vez a piracema progressista brasileira.

O risco é palpável; mas não sem incertezas.

O ciclo de inclusão iniciado em 2003 foi tão expressivo que, mesmo sob uma cortina de fogo cerrada como essa, Lula ainda figura como o nome que ameaça a ambição conservadora de voltar ao poder pelo voto.

Então é preciso liquidar essa fatura, late o canil midiático.

Logo agora, na janela de oportunidade entre o vácuo orgânico criado em torno da presa e a hesitação dos movimentos populares, partidos e lideranças sociais em compor uma frente capaz de defender o que ele representa –com a condicionalidade dos avanços sem os quais o conjunto submergirá.

Ah, mas Lula fez lobby por empresas brasileiras no exterior… 

Sim. E nisso o senador Roberto Requião foi definitivo enquanto os progressistas balbuciam evasivas ou ruminam silencio obsequioso:

‘Criticam o Lula por trabalhar a favor de empresas brasileiras; elogiam o Serra por querer entregar nosso petróleo a empresas estrangeiras’, disparou o bravo parlamentar.

O país precisa de uma macroeconomia mais consistente que a de Levy?

Por certo.

‘O trade-off é mais liberalismo em troca de mais redistribuição’, como sibilam senhores elegantes de gravata italiana?

Menos Estado em troca de mais distribuição?

Pergunte-lhes onde foi que isso aconteceu.

Vai acontecer agora na Grécia, adicionalmente coagida a um novo ciclo de ‘reformas liberalizantes’? 

Há trinta anos que o capitalismo não se faz outra coisa a não ser desregular mercados urbi et orbi.

Então por que o motor da economia mundial engazopou e não pega nem com o tranco de liquidez de trilhões de dólares despejados pelo Fed e, agora, pelo tardio BCE?

O que falta para lubrificar a engrenagem emperrada?

Falta o que o Brasil tem, mas a boa ‘ciência’ dos sábios tucanos e dos economistas de banco  — com a subserviência do bravo jornalismo econômico — acha indispensável liquidar: mercado de massa, horizonte de demanda, distribuição de renda, de bens, de infraestrutura e de poder político.

A desmonte do mundo do trabalho e a destruição do pleno emprego em todo o planeta, desde os anos 80  –  agora vendida aqui como o clorofórmio capaz de combater as impurezas da macroeconomia lulopopulista–  explicam por que essa  é a mais longa, frágil e incerta convalescença de todas as crises capitalistas, desde 1929.

O imenso areal movediço é feito de de mão de obra subempregada, trabalhadores em tempo parcial, dezenas de milhões de famílias endividadas, governos de rombos fiscais ingovernáveis, outros tantos milhões de lares sem condições sequer de prover o próprio sustento.

É para essa a eficiência estratégica que a Liga dos Golpistas quer conduzir o Brasil.

Uma peça do enredo ameaça o coice final do cavalo agalopado.

O estorvo é Lula.

A liderança que o seu nome evoca, a resistência que sua voz convoca, a capacidade de aglutinação que a sua presença histórica adiciona…

Defender essa possibilidade hoje é defender a democracia.

Nenhum silêncio é inocente nessa hora.

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