domingo, 12 de julho de 2015

Prosa do Domingo


Na Coluna Plural, do Novo Jornal
.Em  por François Silvestre 
Atualizado em 11 de julho às 16:07

A pureza é impura.
Você polui o mangue se puser água potável no seu estuário; tanto quanto polui o pote, ao lhe jogar água do mangue.
O moralismo, deformação da moral, faz da intolerância o disfarce da própria imundície. Há na hipocrisia um manancial de sujeira envolto num manto que exibe pureza.
Se nocente é culpado em contradição a inocente, imundo é o contrário de mundo, no significado de limpo.  Afirmação e negação.
Cera de jandaíra nesse nariz de palhaço para voltar a discutir momentos da intolerância. Principalmente sobre o pavor que a liberdade e a diversidade provocam nos hipócritas. Uns, por afinidade escondida com o alvo da sua vigilância. Outros, pelo medo do “contágio” que lhes arrancará as máscaras acumuladas.
A impureza é tão necessária ao coletar o puro, quanto a limpeza se abastece do sujo. Sem uma a outra não teria dimensão. Porém, esse antagonismo não resolve a completude do mundo nem satisfaz sua existência pelo extremado do imundo.
Há contidas, no meio dos extremos, incontáveis configurações. Inumeráveis. Assim como nos matizes das cores, também incontáveis nas suas misturas.
O azul não é cor, é distância. Quanto mais longe, mais azul. A limpeza, a beleza, a pureza são iguais ao azul. Quanto mais perto, mais turvo.
O Brasil é pacífico, comparado ao Iraque. Por ser o Brasil pacífico? Não. Por ser o Iraque distante. Mas se a distância é azul, por que o Brasil, de tão porto de nós, parece mais azul do que o Iraque, que de longe, sabemos mais vermelho?
É aí onde reside a falsidade da pureza. Das cores? Não. Da nossa visão conveniente sobre as cores. Nenhuma consideração dos filósofos, desde a antiguidade, consegue a pureza de aceitação. Negar a verdade não é mentir, é reconstruir outra versão sobre o túmulo do conceito morto.
A única verdade absoluta é que não há verdade absoluta. O único “inquérito veraz” é o que não aponta inocentes. Não há réu inocente, nem promotor inocente, nem advogado inocente, nem juiz inocente. A Justiça inocente, felizmente, ainda não foi inventada. E a mídia, que faz a cobertura da impureza, agasalha-se com lençóis furados, no meio do charco.
Isso é ruim? Porra nenhuma. Assim não fosse, não haveria humanidade. Haveria répteis, pássaros, mamíferos, peixes, cetáceos. Haveria tudo, menos nós.
Nós somos criaturas da imundície do mundo. Bendita sujeira. Sem ela, não teríamos sobrevivido.
A angústia das perguntas não se acautela na ciência, que produz outras perguntas. Deságua nas seitas, que oferecem respostas fáceis. O conforto aconchegante que inventa a imortalidade. Posto que a morte é a mais caudalosa nascente das angústias.
Fuja dos “puros”. São aprendizes de ditadores. Lambuze-se honestamente da impureza humana e faça-se humanidade. Té mais.

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